
A recente operação “carne fraca” da Polícia Federal descortinou um pesadelo para milhões de consumidores de carne no Brasil e no mundo. A venda de carne adulterada e sem condições de consumo há vários anos era possibilitada pela corrupção de fiscais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) com a possível (provável?) facilitação das fraudes por intermédio de políticos corruptos.
O caso da comercialização de carne adulterada carrega algumas semelhanças com outra tragédia brasileira recente: o rompimento da barragem da Samarco no município de Mariana, que deixou um legado de 19 mortos, milhares de vítimas indiretas da contaminação das águas da bacia do Rio Doce e um dano ambiental incalculável espalhados por mais de 600 Km. O desastre de Mariana foi uma das piores tragédias ambientais já experimentadas e ainda está sujeita ao constrangedor silêncio e morosidade de ações efetivas e eficazes.
Ambos os casos expõem a fragilidade das instituições brasileiras de controle, que deveriam proteger os interesses da sociedade. O escândalo da carne fraca expõe o controle privado de parte do MAPA – pelo menos um executivo de uma gigante do setor tinha acesso ao login e senha de sistema interno do ministério.
O desastre de Mariana expõe um problema ainda mais profundo. Neste caso, o controle da segurança de barragens a ser regulamentado pelo Estado é sujeito ao conflito de interesses do próprio regulador. O Estado pode temer que implementar o rigor necessário para a proteção da sociedade comprometerá o lucro das empresas e diminuirá sua receita de impostos. Em todo o mundo, é comum que regiões sejam demasiadamente brandas no controle de danos ambientais, quando recursos naturais respondem por uma parcela importante de suas economias. Isto ocorre mesmo com o entendimento de que, no longo prazo, quando os governantes atuais não poderão mais ser punidos, a população local terá muito a perder com o passivo ambiental capaz de piorar a sua qualidade de vida e comprometer a capacidade da economia de se manter.
O perdão de multas ambientais de até R$ 15.000,00, aprovado pelo estado de Minas Gerais em 2015 com a justificativa de que era muito caro cobrar estas multas, pode ter uma racionalidade de curto prazo válida, mas sinaliza complacência com infratores e gera expectativas de pouca disposição do Estado de punir crimes ambientais no futuro. A mesma crítica se aplica ao Novo Código Florestal brasileiro de 2012 que perdoou crimes ambientais passados. Contratos são levados a sério quando existe expectativa de que eles serão cumpridos. Locais onde contratos são quebrados experimentam economias frágeis e mais distantes daquelas que geram maiores benefícios para a sociedade.
Mas existe um outro lado possivelmente ainda mais fraco da carne fraca e da lama. Os abusos de determinadas empresas, grupos de interesse e figuras públicas corruptas podem ter um impacto devastador em economias setoriais e locais. O desastre de Mariana deixou o município em posição financeira vulnerável com a paralisação das atividades da Samarco. Um grande número de funcionários da empresa e de outras empresas que direta ou indiretamente dependiam da mineradora tiveram seus empregos destruídos ou expostos à incerteza da existência futura. A arrecadação tributária do estado e do município foi impactada, comprometendo a produção de serviços para populações frequentemente carentes. Por fim, a desconfiança de consumidores e investidores pode aumentar ainda mais os danos econômicos de abusos decorrentes da fragilidade das instituições de proteção da sociedade.
É inocente lamentar a desonestidade humana e culpá-la pelos males da sociedade. Conduta anti-ética sempre existiu e sempre existirá independente da origem do indivíduo ou de orientação ideológica, política, religiosa ou de qualquer outra natureza. É mais prudente construirmos instituições sólidas que gerem recompensas e punições de forma a alinhar o que é mais vantajoso para o indivíduo com o que é melhor para a sociedade. As atuações recentes da Polícia Federal e de um conjunto de magistrados brasileiros nos dão esperança de que seja possível construirmos instituições fortes no país.